O ‘Timerosal’, utilizado para conservação de vacinas multidoses no Brasil, não causa déficit no desenvolvimento infantil. Um estudo feito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) analisou múltiplos dados de 535 mães, bebês entre 36 e 48 meses e esquema de vacinação. Publicada pela revista especializada Vaccine, a pesquisa sinaliza que a principal barreira ao desenvolvimento infantil saudável permanece sendo a condição socioeconômica familiar e não as vacinas ofertadas na rede pública de saúde.  

Encontrado em multidoses de vacinas para impedir o risco de contaminação durante abertura e manipulação, o ‘Timerosal’ é um composto contendo etilmercúrio. A substância por vir do mercúrio (tóxico ao ser humano) causa debate sobre possíveis danos neurológicos a crianças. “Identificamos que boa parte dos estudos responsáveis por apontar a associação prejudicial contém uma análise bivariada (ou simples), o que influência no resultado”, comenta a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento (PPGSC) e responsável pelo estudo, Gabriela Kurz da Cunha. 

Foi justamente por cruzar diversas variáveis sociodemográficas, de saúde mental materna e características das crianças, vacinação com o desenvolvimento infantil, avaliado através de dados obtidos do teste Bayley Scale of Infantand Toddler Development III, que o estudo ganhou destaque internacional. A publicação na Vaccine deve contribuir para combater boatos e falsas notícias sobre malefícios da vacinação, como problemas no desenvolvimento de linguagem, cognitivo e motor. 

De acordo com a pesquisadora, a desinformação é a grande responsável pela vacinação hesitante – quando os pais ou responsáveis optam por não vacinar. No Brasil, os cinco primeiros anos de vida são cruciais devido à ocorrência de doenças típicas da infância, facilmente evitáveis através da vacinação. “Mesmo com todos os alertas e campanhas, o que estamos vendo é a diminuição da cobertura vacinal no Brasil e em todo mundo”, alerta. 

Além da possível toxidade do etilmercúrio, outro ponto questionado por movimentos contrários à vacinação é o período da vida dos bebês em que as doses são administradas, muitas logo após o nascimento, fase considerada vulnerável para ter contato com o etilmercúrio. “Existe uma toxidade, mas os efeitos dessa exposição ainda não estão consolidados na literatura”, explica.


Fatores socioeconômicos são determinantes ao desenvolvimento


Realizada a partir de um estudo de longitudinal com 535 gestantes adolescentes de até 19 anos usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), a pesquisa acompanhou mães nos dois primeiros anos de vida dos bebês. Uma análise multivariada com mais de 20 itens, incluindo carteira de vacinação comprovando a administração de até oito doses das vacinas hepatite B, tríplice viral e tetravalente, demonstrou que a vacinação não está associada ao déficit de desenvolvimento infantil.

“Apresentaram menores médias crianças pertencentes às classes econômicas D/E, mães fumantes durante a gestão e com menor desempenho cognitivo”, enumera Gabriela. Baixo nível de escolaridade materna, ansiedade/depressão materna no momento da avaliação, aleitamento exclusivo, escolaridade do cuidador da criança, por exemplo, também são responsáveis por atrasos no desenvolvimento infantil. 

O artigo publicado na Vaccine é um dos primeiros do Brasil a apresentar uma análise multivariada, analisando além da vacinação dados socioeconômicos e de escolaridade materna. Conforme a pesquisadora, a maior parte das pesquisas produzidas no país com dados associativos sobre a toxidade do etilmercúrio e déficit no desenvolvimento infantil apresentam análise estatística questionável por utilizar poucas variantes. 


Unidoses versus multidose 


A polêmica sobre possíveis malefícios do etilmercúrio não é nova. Vários países da Europa e os Estados Unidos deixaram de utilizar vacinas multidoses por não ter clareza sobre a toxidade do conservante. Entretanto, para países em desenvolvimento, essa não é uma alternativa possível devido ao alto custo do frasco único e possíveis dificuldades na logística do armazenamento. 

O Programa Nacional de Imunizações, do Ministério da Saúde brasileiro, é reconhecido mundialmente. Em 2017, foram distribuídas mais de 300 milhões de doses de vacinas no território nacional. Para fornecer acesso universal e igualitário, frascos com diversas doses são enviados a Unidades Básicas de Saúde (UBS’s). 27 vacinas, responsáveis por combatero sarampo, a caxumba, a rubéola, o tétano, a tuberculose, a febre amarela, a difteria, a coqueluche, a poliomielite, o influenza e o HPV são oferecidas gratuitamente para toda a população. 

A desconfiança na toxidade do etilmercúrio tem associação com a fórmula metilmercúrio (essa tóxica). O primeiro possui baixa toxidade e é utilizado em pequenas quantidades. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a utilização desse conservante por considerar o mercúrio seguro e não cumulativo, já que o organismo o elimina rapidamente após a aplicação da vacina.

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